domingo, 3 de abril de 2011

A INFLUÊNCIA DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO SOBRE A ECONOMIA FLUMINENSE A PARTIR DA SEGUNDA METADE DA DECADA DE 90


Quando se analisa a evolução econômica da indústria fluminense a partir do século XX, observa-se que o estado do Rio de Janeiro experimentou um grande esvaziamento do setor durante as primeiras décadas, tendo a sua participação relativa na produção industrial brasileira declinada de 27,9% em 1939 para 9,7% em 1980 (Fernandes, 2007). Seguindo o caminho inverso, São Paulo experimentou uma incisiva evolução do setor durante o mesmo período analisado, se tornando o principal pólo industrial do país, com um desenvolvido parque industrial. Quando se observa os dados do setor terciário da economia, setor de serviços, é possível ver que também houve um declínio durante o período. A população fluminense deixou de possuir 28% da economia terciária nacional, para ter apenas 18%.
No entanto, a partir da década de 90 o cenário começa a se alterar e o estado fluminense começa a apresentar uma inflexão positiva em sua trajetória de esvaziamento econômico (Silva, 2004). Tal fato pode ser comprovado com a análise da taxa de expansão de renda regional e nacional. Enquanto a expansão acumulada nacional ficou em 369% no período de 1994 a 2004, o estado fluminense obteve 428%.

Participação do estado do Rio de Janeiro no PIB nacional (%):



Esse avanço econômico do estado se deu principalmente devido aos avanços da indústria petrolífera na região norte fluminense, mais precisamente na Bacia de Campos. Durante o período de 1996 a 2004, a economia relacionada à extração de petróleo e gás apresentou um crescimento de 1368%, sendo responsável por 50% do total gerado pela indústria extrativa e de transformação no rio de janeiro, sendo que em 1996, este mesmo setor havia sido responsável por apenas 17% (Fernandes, 2007). Em geral, o setor industrial relacionado ao petróleo, fez com que o estado do rio de janeiro emergisse no cenário nacional, ganhando importância econômica e voltando a possuir uma participação mais incisiva no PIB nacional.
A indústria petrolífera apresentou durante o período analisado um crescimento de empregos formais relacionados ao setor de 59%, enquanto no país, o mesmo setor apresentou 39%, o que mostra que embora este tipo de indústria necessite de Mao de obra especializada, ele está a criar uma grande demanda de empregos para a região, o que é extremamente benéfico.
No que se refere a investimentos, no ano de 2005 o Rio de Janeiro possuía R$13 Bilhões disponíveis para investimentos em infra-estruturas, ocupando a segunda colocação nacional com menos da metade do valor possuído por São Paulo. No ano seguinte, com a ajuda da economia petrolífera, as posições se inverteram e o Rio de janeiro passou a ser o primeiro colocado no ranking dos estados brasileiros com recursos disponíveis para investimentos em infra-estrutura, com R$34 bilhões.
Quanto ao setor de exportação, 5 dos 10 produtos mais exportados pelo estado são relacionados ao setor, representando cinco bilhões de dólares, ou 60% de tudo o que foi exportado pelo Rio de Janeiro em 2005. Três das cinco empresas que mais exportam no estado estão relacionadas à indústria do petróleo: Petrobras, Petrobras Distribuidora
S.A.e a Shell Brasil LTDA.
            Como dito anteriormente, a Bacia de Campos foi para o Rio de Janeiro a alavanca necessária para recolocar o estado no cenário nacional, dinamizando sua economia. Sua descoberta se deu em 1974, devido a crise do setor ocorrida em 1973 tornou-se necessário uma busca por novas fontes desse combustível que obtivessem um menor custo, o que fez aumentar então a produção nacional e conseqüentemente a especialização e um maior domínio. Hoje, a Bacia de Campos, que se estende do estado do Espírito Santo até o município de Cabofrio é responsável por nada menos que 85% de toda a produção nacional de petróleo e mais de 40% da produção de gás natural.
            Antes da “Emenda Ibsen” vir a tona, os Royalties oriundos da produção de Petróleo e Gás eram destinados em maiores proporções para o estado e seus municípios envolvidos diretamente na produção.

Distribuição dos Royalties em milhões de reais


Fonte: ANP

            A partir do ano de 2000, os municípios produtores passaram a receber outra compensação financeira, a participação especial que é uma renda extra designada para os municípios e estados que alcançaram produções excepcionais, com grandes volumes ou grande rentabilidade. O estado do Rio de Janeiro e seus municípios receberam em conjunto a União, praticamente a totalidade dos recursos enquanto as outras unidades da federação receberam apenas cerca de 1% destes.





Distribuições da Participação Especial em milhões de reais


Fonte: ANP

Os Royalties juntamente com a Participação Especial certamente foram, e são extremamente necessários para a saúde financeira do estado, onde os dados nos mostram que entre 1996 e 2005 esta arrecadação passou de R$29 milhões de reais para R$1,3 bilhão. Porém, a chamada Lei do Petróleo, sancionada em 6 de agosto de 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardozo, não especificou os setores nos quais deveriam ser aplicados as receitas dos Royalties, havendo apenas a restrição para a quitação de dívidas e pagamento de pessoal, no qual a fiscalização de seus usos estariam a cargo do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Mesmo este valor não tendo sido obrigatoriamente redirecionado para fundos sociais como ocorre em outros países como a Noruega, que é um exemplo a ser seguido, as receitas originadas da indústria de petróleo foram de suma importância para o desenvolvimento tanto da região norte do estado e dos outros municípios do estado. Porém este fato deve se modificar com as novas medidas que redistribuirão as porcentagens de cada recebedor, o que pode levar o Rio de Janeiro a perda de uma importante fonte de renda para investimentos.

Leitura recomendada:

http://www.anp.gov.br/CapitalHumano/Arquivos/PRH21/Camila-Formozo-Fernandes_PRH21_UFRJ_G.pdf

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A distribuição dos royalties do petróleo

     Desde as descobertas das reservas de petróleo do pré-sal, têm se assistido a um debate intenso sobre a distribuição dos royalties pagos pelas empresas que exploram este recurso. Para compreender o que está ocorrendo, se faz necessária uma análise prévia sobre o que são os royalties do petróleo e como é sua distribuição entre as unidades da federação brasileira.
     Os royalties são uma forma de compensação paga pelas companhias à União, estados e municípios pela exploração do petróleo, recurso caro, escasso e não renovável. É calculado a partir de um percentual da produção total, com o valor variando de 5% a 10%, dependendo das dificuldades e riscos da exploração. O pagamento ocorre mensalmente. A atual forma de compensação está em vigor desde 1998.
     De acordo com a Lei 9478/1997 e com o Decreto 2705/1998, a atual divisão dos royalties do petróleo extraído da Plataforma Continental ocorre da seguinte maneira:
- 25%: Ministério da Ciência e Tecnologia
- 22,5%: Estados produtores
-22,5%: Municípios produtores
-15%: Comando da Marinha
-7,5%: Fundos Especiais (estados e municípios não produtores)
-7,5%: Municípios afetados por operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
     Com o anúncio das descobertas das grandes reservas de petróleo do pré-sal, em 2007, iniciaram-se os debates para a criação de um novo modelo para a divisão dos royalties na exploração de reservas de grande volume, como do pré-sal. A divisão para estes casos ficou estabelecida da seguinte maneira:
-40%: União
-22,5%: Estados produtores
-22,5%: Municípios produtores
-7,5%: Fundos Especiais
7,5%: Municípios afetados por operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
     Porém, esse modelo atual não satisfaz os interesses dos estados e municípios não produtores, que desejam uma maior arrecadação de royalties, inclusive com a defesa por parte de alguns parlamentares de igualdade na divisão entre estados e municípios produtores com os não produtores.
    Por isso, novos debates surgiram sobre este assunto e, em Dezembro de 2009, o governo fechou um acordo com líderes da câmara e governadores pelo qual seria alterado esse modelo de divisão, aumentando os percentuais recebidos pelos estados e municípios não produtores, mas seria mantida a maior parcela para os produtores e locais afetados por operações de embarque e desembarque de petróleo e gás.
     Desta forma, a nova divisão seria:
- 26,25%: Estados produtores
- 22%: Estados não produtores
- 20%: União
- 18%: Municípios produtores
- 8,75%: Municípios não produtores
-5%: Municípios afetados por operações nas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural
     Mas essa divisão não chegou a entrar em vigor e uma nova emenda foi enviada à Câmara. Conhecida por Emenda Ibsen (pois o autor foi o Deputado Federal Ibsen Pinheiro), ela afirma que a divisão deve ser igualitária entre todos os estados e municípios, sem distinção entre produtores e não produtores. A divisão seria de 40% para a União e 60% para os Fundos Especiais.
     A justificativa é a de que o petróleo pertence a todos, por isso, os royalties não devem privilegiar apenas os estados e municípios produtores. Além disso, o deputado autor da emenda afirma que um estado só é considerado produtor quando o petróleo é encontrado em terra, e que, de acordo com a Constituição, o patrimônio encontrado no mar pertence diretamente à União.
     Vale lembrar que a emenda engloba as áreas fora do pré-sal, já licitadas, pois a justificativa se aplica a todo petróleo explorado na Plataforma Continental.
     Essa emenda foi aprovada na Câmara no dia 10/03/2010 por 369 votos a favor e 72 contra, havendo duas abstenções.
     O governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral caracterizou essa proposta como um “linchamento contra o Rio”. Estudos mostram que 86 municípios fluminenses teriam grande perda de arrecadação. O governo do estado do Rio de Janeiro também seria fortemente prejudicado e perderia já no ano de 2011 cerca de R$ 4,8 bilhões em arrecadação. Cabral chegou a afirmar que a aprovação da emenda pode representar o fim dos serviços públicos do estado.
     O líder do governo na câmara Cândido Vaccarezza afirma que a emenda é inconstitucional pois altera contratos vigentes e a lei não pode alterar contratos entre a União e os estados e a União e os municípios. Ele afirma que, portanto, o presidente irá vetar tal emenda.
      E, de fato, após um longo tempo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22/12/2010, enquanto ainda exercia mandato, vetou a nova divisão. Ele ainda enviará ao Congresso um projeto que preserva as receitas dos estados produtores, como Rio de Janeiro e Espírito Santo.
     A proposta alternativa pretende manter o acordo realizado anteriormente (em Dezembro de 2009), substituindo o item aprovado pelos parlamentares que prevê a divisão do dinheiro arrecadado com a produção de petróleo entre todos os estados, independentemente de serem ou não produtores.
     Durante a cerimônia onde Lula realizou o veto, o então presidente anunciou também a criação do Fundo Social, onde parte dos recursos adquiridos serão destinados a setores sociais. “Não haveria outra forma de fazê-lo [benefício social] de maneira consistente e duradoura que não fosse essa. A sociedade brasileira não admite mais antagonismo entre riqueza e injustiça social”, disse Lula.
     Assim, o ano de 2011 se inicia sem uma definição concreta sobre o assunto, que permanece em discussão, gerando grande expectativa principalmente no estado do Rio de Janeiro e nos principais municípios produtores, como Campos dos Goytacazes e Macaé, que possuem uma economia com forte dependência na arrecadação dos royalties.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A Escalada da Violência no Rio de Janeiro

     Rio de Janeiro, uma cidade com um passado nobre, belezas naturais estonteantes e um grande berço de cultura, sendo uma verdadeira vitrine para o Brasil, passa hoje por um drama devido ao nível de violência que espalha o medo pela população, cerceando seu elementar direito de ir e vir.
     Qual é a situação da criminalidade no Rio de Janeiro? Onde está sua origem? A compreensão desse fenômeno se faz essencial para que seja possível encontrar formas eficientes de minimizar tal problema, trazendo aos cidadãos a possibilidade de viver em paz, usufruindo de tudo que a cidade pode oferecer, sem grandes temores.
     A violência vem crescendo, como um todo no país, a níveis alarmantes. Se compararmos o número de homicídios no ano de 1979, que foi 11.194, com o de 1998, onde houveram 41.802, iremos observar um aumento de 373%. Enquanto isso, a população aumentou apenas 36% nesse mesmo período.
     Comparando-se também a relação entre homicídios e o número total de mortos, teremos uma relação de 1,57 no ano de 1979. No ano de 1997 essa relação aumentou para 4,40, mostrando que o item Homicídio cresceu bastante enquanto causa de mortalidade no país.
     Utilizando dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, através do site www.datasus.gov.br, foi possível analisar, no período de 1979 a 1995 os itens “óbitos por residência segundo causas” e “homicídios e lesões intencionadas por outras pessoas”, chegando-se aos seguintes números:
Óbitos por residência segundo causas:
1979: 711.742
1995: 893.877
Homicídios e lesões causadas por outras pessoas:
1979: 11.194
1995: 37.129
     Ou seja, neste período, o Brasil teve um aumento de 25,59% de aumento em termos de óbitos, enquanto em termos de óbitos ocasionados por violência gerada por terceiros o aumento é de 231,68%!
    
     Até aí, podemos perceber uma escalada da violência a nível nacional. Para iniciar a análise da escalada da violência no Rio de Janeiro iremos realizar uma comparação prévia entre os estados do Sudeste, utilizando a mesma fonte de informações da comparação anterior (Ministério da Saúde).
Óbitos por residência segundo causas:
          São Paulo        Minas Gerais        Espírito Santo      Rio de Janeiro
1979: 171.583           95.579                  12.678                  91.650
1995:  227.837          95.980                  15.747                  116.692       
Homicídios e lesões causadas por outras pessoas:
          São Paulo        Minas Gerais        Espírito Santo      Rio de Janeiro
1979: 2.384               1.094                    260                       2.426
1995: 11.555             1.214                    1.153                    8.216

     Logo, considerando os estados do Sudeste, teremos o seguinte: Em São Paulo temos um acréscimo de 32,78% e 384,68% em termos de óbitos e óbitos causados por violência gerada por terceiros, respectivamente. Em seguida temos  Minas Gerais com 0,41% e 10,96%, Espírito Santo com 24,20% e 343,46% e Rio de Janeiro com 27,32% e 238,66%.
     A princípio temos a impressão de que o Rio de Janeiro teve uma situação melhor do que São Paulo e Espírito Santo. Mas, voltando à relação entre o número total de óbitos e o número de óbitos por homicídio, percebemos que no Brasil, no ano de 1979, a proporção era de 1,5% em relação ao total, enquanto em 1995 foi de 4,15%. Seguindo essa linha teremos para o Sudeste os seguintes valores:  Minas Gerais com 1,14% em 1979 e 1,26% em 1995; São Paulo com 1,38% no ano de 1979 e 5,07% no ano de 1995; Rio de Janeiro com 2,64% em 1979 e 7,32% em 1995; Espírito Santo com 2,05% em 1979 e 7,32% em 1995.
     Ou seja, o Rio de Janeiro fica atrás apenas do Espírito Santo na região Sudeste, o que mostra um quadro bastante grave pois, mesmo não tendo uma evolução demográfica muito grande, houve grande ascendência em termos de criminalidade.
     Analisando ainda a publicação do IBGE- Síntese de indicadores sociais 2000, temos outro quadro alarmante. São Paulo deteve, em 1999, o equivalente a 22,41% da população brasileira, enquanto o Rio de Janeiro deteve cerca de 8,62%. Proporcionalmente, estes deveriam ser os percentuais de cada estado no número de mortes ocasionadas por motivos violentos. Porém, utilizando-se informações do ano de 1998, foi registrado em São Paulo 33,36% dos óbitos ocasionados pela violência no Brasil, e no Rio de Janeiro esse número ficou em 18,05%!
     Quais seriam as causas para esse nível alarmante de violência no Rio de Janeiro? Em um artigo publicado no jornal O Globo, em 10/04/2001, o prefeito da cidade da época, Sr. César Maia aponta quatro indicadores que teriam uma boa relação com os altos índices de homicídios: o índice de Gini, que analisa a desigualdade de renda, o desemprego, o Crime Organizado e, principalmente, o Crime Organizado Setorizado.
     Porém, se analisarmos a questão do índice de Gini como uma das causas do aumento da violência, perceberemos que não é possível compreender tal relação. No ano de 1992 temos para o estado do Rio de Janeiro e para sua Região Metropolitana, respectivamente os seguintes índices 0,536 e 0,534, enquanto no ano de 1999 teremos 0,532 e 0,531. Ou seja, temos uma leve tendência de diminuição da disparidade de renda, tanto a nível estadual quanto ao nível da região metropolitana.
     O mesmo irá ocorrer analisando a segunda causa exposta, o desemprego. Comparando-se com as regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, a região metropolitana do Rio de Janeiro é a que apresenta a menor taxa de desemprego. Logo não podemos explicar o aumento da violência no Rio de Janeiro a partir deste índice.
     Cabe então analisarmos a questão do Crime Organizado.
     Esta é uma análise que se torna dificultada pelo fato de o Crime Organizado ser uma economia informal, que não deixa registros. Além disso, as imprecisões de informações são decorrentes de uma ausência de uma política governamental, e da própria sociedade, em estabelecer uma estratégia pela qual se dê ênfase à análise deste fenômeno. Falta uma política de disponibilização de informações menos sigilosas sobre o tema.
     É evidente que certas informações possuem um caráter sigiloso. Porém, essa carência de difusão de informações traz conseqüências negativas para a própria eficácia das operações policiais. Cada vez mais se torna claro que o combate ao crime organizado deve contar com a participação da sociedade civil.
     Em uma entrevista, o sr. Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político do Núcleo de Estudos da Violência- Universidade de São Paulo, afirma que o Jogo do Bicho seria a coluna vertebral do crime organizado, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. Por isso, se faz importante uma análise do Jogo do Bicho para compreender sua relação com a expansão do crime organizado.
     O Jogo do Bicho, que se iniciou a partir de uma crise no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, como uma forma de se obter verbas para arcar com os gastos da instituição, logo se mostrou uma atividade bastante lucrativa, que foi se expandindo e acabou se disseminando por todo o país, perdendo o caráter de “apoio aos animais”, passando a ser um elemento motivador do jogo.
     Em parte, o crescimento desta atividade está intimamente ligado com as características da própria cidade do Rio de Janeiro, que sendo capital nacional, se preocupava mais com questões supra-regionais do que com a realidade local, a não ser que esta pudesse alavancar interesses de significados maiores.
     Assim, de um lado temos a “cidade-vitrine”, onde os projetos pioneiros do governo tinham nela seu local privilegiado de implantação. Do outro lado, para além da zona sul, em direção aos subúrbios, temos uma realidade bem diferente, menos glamourosa, onde ponteava a economia informal. Foi onde o Jogo do Bicho ganhou mais força. A população mais pobre se sentia atraída pela chance de se obter um dinheiro rápido e fácil, que sua dura realidade não permitia encontrar. Assim, a “fezinha” no jogo foi deitando suas raízes nos hábitos populares, surgindo uma rede de contatos, lideranças e traços de fidelidade entre grupos e pessoas.
     O acúmulo de dinheiro que ocorria no jogo combinado à sua informalidade fez com que a violência logo se tornasse a regra de defesa de ponto por parte dos bicheiros. Assim se inicia uma trajetória de conflitos violentos e formação de grupos que se utilizavam da violência como seu meio de conquistar e manter o poder.
     Um novo fator surge com a chegada da cocaína na cidade, principalmente após a década de 1970, quando o consumo começa a se tornar mais intenso. Essa nova opção de ganho monetário, com altíssimo valor agregado, diga-se de passagem, passou a atrair contraventores do jogo do bicho a partir de dois pontos de vista: o econômico, pois a não-entrada no negócio os levaria a não ter acesso a essa boa fonte de renda; e o político, pois os traficantes poderiam vir a trazer problemas aos seus interesses, já que estariam adentrando em circuitos informais, o que poderia vir a afetar a atividade dos bicheiros.
     Daí temos o início da ligação entre os bicheiros com o crescimento do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, pois eles controlavam uma rede de contatos da economia informal responsável pelo monitoramento das atividades ilegais.
     Ao final da década de 1970 era possível observar uma clara articulação entre o jogo do bicho e o narcotráfico, tendo, inclusive, notícias relatando a venda de drogas até mesmo nos pontos de apostas do jogo.
     Durante o Governo de Leonel Brizola (1983- 87) percebe-se uma política de não coibir o jogo do bicho, tendo o número de pessoas presas por contravenção  sofrido uma forte queda. No mês de Janeiro do ano de 1983, quando ainda estava no governo o Sr. Chagas Freitas, houveram 215 processos e no mês seguinte, 219. A posse ocorreu em Março, quando o número caiu para 83. Nos meses subseqüentes, de abril a outubro, temos os seguintes números: 92, 42, 20, 15, 14, 0 e 6. Curiosamente, no mês de novembro houveram 306 processos. Foi justamente nesse mês que denúncias indicavam uma caixinha de jogo do bicho no Palácio da Guanabara, sede do governo estadual.
     Muitos processos contra os contraventores do jogo giravam em torno das denúncias de ligação com o narcotráfico, envolvendo desde empréstimos à traficantes até controle de bocas-de-fumo por bicheiros. Invasões de “fortalezas” dos bicheiros permitiram encontrar evidências destas conexões, envolvendo, inclusive, autoridades, políticos, empresas, juízes etc.
     A década de 90 foi marcada pela intensificação dos processos contra os bicheiros, aumentando a decadência que já vinha se iniciando na década anterior. O Jogo do Bicho já não era o mesmo após esses episódios judiciais.
     Em parte, para entender esta situação, temos de considerar também as próprias transformações sofridas pela cidade do Rio de Janeiro. Até certo tempo atrás, o Jogo era uma instituição genuinamente carioca, constituindo um hábito tão próprio do povo da cidade quanto a ida a um bar para pedir uma “branquinha” ou uma “lourinha” para animar a discussão sobre o último jogo ocorrido no Maracanã. Este aspecto cultural já estava se tornando passado, trazendo suas conseqüências para o jogo, que dependia de uma memória das pessoas, de sua disposição para jogar, que não era movida por propagandas da mídia, mas por uma cultura popular de rua.
     A partir desse ponto, cabe realizar uma revisão da articulação entre o Jogo do Bicho e o Narcotráfico. Enquanto o Jogo encontrava-se em clara decadência, o narcotráfico dava sinais de intenso crescimento. Isso não quer dizer que a ligação não mais exista, mas é evidente que a ascendência do Jogo do Bicho sobre o narcotráfico já não é mais a mesma.
     De certo modo, o Jogo do Bicho deixou como herança aos traficantes o “caminho das pedras” ensinado pela contravenção em termos de corrupção de autoridades públicas, formas de investimentos para obter apoio, maneiras de se investir o dinheiro etc.
     Cabe agora uma análise de fatores que fazem da cidade do Rio de Janeiro uma posição estratégica para o narcotráfico.
     Em primeiro lugar, vale destacar o grande litoral da cidade, com 197 km de extensão, dispondo de duas baías onde se encontram portos de grande porte, o do Rio de Janeiro (na Baía de Guanabara) e o de Sepetiba (na Baía de Sepetiba). Fora a enorme quantidade de ilhas, mais de 100, somando 37 km². Somam-se a isso a infra-estrutura de transporte rodoviário e a presença de um aeroporto internacional. Isso torna a cidade vulnerável à entrada de diferentes circuitos criminosos.
     Em segundo lugar, temos a questão da topografia, com a enorme quantidade de morros, que possuem visão privilegiada das movimentações no entorno. Mas apenas isso não é o suficiente para a instalação de grupos de traficantes armados nessas áreas. Devemos considerar a questão da pobreza, que faz surgir a forma arquitetônica chamada de Favela, que acaba sendo um ambiente favorável à busca por novos quadros  que se disponham a entrar para o narcotráfico. Além disso, ausência de organizações civis, estatais ou não, faz com que os traficantes sejam os verdadeiros mandarins, intervindo em questões sociais locais como custeamento de despesas e resolução de pendências entre vizinhos.
     Como terceiro fator, temos o fato de a cidade ser uma cidade rica, disponibilizando um mercado consumidor para as drogas, não deixando de ser apropriado considerar que a expansão do narcotráfico possui uma ligação com a população urbana consumidora.
     Cabe considerarmos, por último, a carência de recursos dos que estão diretamente envolvidos com o combate ao narcotráfico: os policiais. A corrupção destes, que acabam se vinculando ao tráfico, pode ser compreendido em parte pela baixa remuneração e falta de estrutura, tanto em equipamentos quanto administrativa. Além disso, é importante frisar a distância que existe entre as forças policiais e as organizações civis voltadas, direta ou indiretamente, à questão do tráfico de drogas, não sendo raras as denúncias de violência policial por parte destas organizações.
     Ou seja, a cidade oferece ao tráfico um mercado consumidor, o acesso à outros mercados e ainda serve como esconderijo, tanto de pessoas como de mercadorias, completando com uma falta de estrutura no combate à atividade. Esse conjunto dá à cidade do Rio de Janeiro o status de “coluna vertebral” do narcotráfico no estado.
     Até meados dos anos 1980, o narcotráfico ainda agia de modo “tímido” na cidade. Apreensões de 500 gramas de droga já eram motivo para notícias de destaque. Durante essa década, mais especificamente a partir de 1985, inicia-se uma verdadeira escalada da atividade, tendo notícias, já no ano de 1986, de apreensões de mais de 100 quilos de drogas. É nesse período que surge o que se convencionou chamar de Comando Vermelho ou Falange Vermelha, demonstrando que nessa época algo de diferente começava a ocorrer no narcotráfico, já que este passou a ter uma organização em maior escala. 
     Ou seja, na década de 1980 o narcotráfico obteve uma evolução de modo a se capilarizar, adentrando associações de moradores, aliciando menores e expandindo-se geograficamente pela cidade.
     A partir daí, percebemos o aspecto “institucional” de capilarização do narcotráfico. Já se torna possível termos sinais de que ele passou a influenciar em acontecimentos verificados no campo da justiça e das Forças Armadas. Por exemplo, podemos constatar o aumento do poder de fogo dos traficantes e a relação deste fato com o crescimento dos roubos nos arsenais das Forças Armadas e também a liberação de traficantes com longas fichas criminais por juízes em nome de filigranas jurídicas.
     Já na década de 1990, exatamente no período em que ocorriam os processos jurídicos contra os contraventores do Jogo do Bicho, ocorreu uma tentativa por parte dos narcotraficantes de se construir um Cartel, saindo definitivamente da esfera de influência dos bicheiros. Porém, nem todos eram subordinados ao Comando Vermelho, surgindo assim outros grandes grupos sendo, inclusive, essa a época de ascensão do Terceiro Comando.
     Assim, realizando uma breve retrospectiva, tínhamos inicialmente quadrilhas atuando em separado. Em um segundo momento surge a primeira grande agremiação que buscou ter hegemonia no narcotráfico (Comando Vermelho). Em seguida, temos o surgimento de novas estruturas, opostas à primeira.
     Cabe frisar que essa consolidação das drogas na cidade adentra estruturas empresariais. Essa situação atingiu empresas que dependiam de acesso às favelas, ou que ficavam próximas a elas. É possível observar que empresários procuraram ter uma política de boa vizinhança com o poder dos traficantes para dar continuidade às suas atividades. O tráfico já conseguiu, inclusive, paralisar empreendimentos do governo, como obras do antigo projeto Favela Bairro, que visava melhorias de infra-estrutura nas favelas.
     Foi em meados dos anos 1990 que se iniciou uma política de maior controle do narcotráfico, embora ainda houvessem muitos percalços. O número de pessoas que iam presas por motivos ligados ao narcotráfico começou a aumentar de modo significativo. Outro aspecto importante foi o aumento da apreensão de armas em controle dos traficantes, sendo que entre 1995 e 1999, o número de armas apreendidas aumentou em 85%. Além disso, o aumento na apreensão de drogas também foi significativo,  com algumas chegando até mesmo à casa das toneladas.
     Porém, esta não é uma luta simples. Pelo contrário, possui uma complexidade assustadora, já que o narcotráfico encontra-se fortemente disseminado, atingindo diferentes partes da sociedade e estruturas de poder. Ocorre um certo despreparo por parte da sociedade civil para se enfrentar o problema. A polícia possui uma estrutura frágil, é mal paga e mal equipada e ainda apresenta um baixo nível educacional, o que afeta o grau de esclarecimento na questão de como se combater o narcotráfico. Para completar, a estrutura jurídica brasileira é conhecida por sua lentidão, sendo incapaz de tomar atitudes na mesma velocidade de ocorrência dos fatos.
     Enfim, temos diante de nós um problema de proporções enormes e as armas que temos para enfrentar ainda são de eficácia duvidosa.
     Este artigo tentou realizar um breve histórico de como a situação chegou a tal ponto, mostrando como se iniciou, na década de 1970, a entrada em maior escala do narcotráfico internacional na cidade do Rio de Janeiro, e como a atividade veio a crescer e modificar completamente o cotidiano não só dos cariocas, mas de praticamente todo o estado fluminense.
     Estudos deste tipo se fazem muito importantes em favor dos esforços em diminuir o narcotráfico, pois é através do conhecimento sobre o assunto que podemos acentuar a importância de um trabalho de inteligência que deve ser desenvolvido para deter a expansão de tal atividade. Percebendo o grau atingido, a situação só poderá se reverter com a contribuição da sociedade civil, que precisa ter acesso a maiores e melhores informações acerca do assunto. Para que isso ocorra, não dependemos apenas do caráter esclarecedor que os trabalhos possam ter, mas que os órgãos de defesa disponibilizem mais informações à sociedade, para que esta possa atrair para si a luta contra a criminalidade.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Violência, jogo do bicho e narcotráfico

Na quinta-feira, 25/11 ocorreu o debate sobre Violência, jogo do bicho e narcotráfico.

     O debate, teria como ideia inicial realizar um histórico sobre o surgimento e crescimento do poder paralelo ligado ao tráfico de drogas e jogo do bicho. Porém,os fatos que ocorreram na cidade nesta última semana tornaram-se parte dos temas abordados.
     Ataques iniciados no domingo, dia 21/11, iniciaram uma onda de violência na região metropolitana do Rio de Janeiro que culminaram na maior ação policial da história da cidade. Os ataques seriam  uma resposta dos bandidos à política de UPP's, que estão sendo implantadas com sucesso em diversas comunidades da cidade. Foram realizados incêndios de dezenas de veículos, ataques à cabines policiais, arrastões, enfim, diversas ações criminosas espalhadas pela região, mas vindas de um mesmo "centro de comando" dos bandidos.
     Uma das maiores "fortalezas" do tráfico, a favela da Vila Cruzeiro, na Penha, zona norte da cidade,  foi tida como um desses "centros" e foi invadida na quinta-feira, 25/11. Mais de 200 traficantes fugiram para o Complexo do Alemão, vizinho à comunidade. Não há previsão para o fim da ocupação policial do local.
     O Complexo do Alemão é um dos maiores complexos de favelas do Rio de Janeiro, com mais de 65 mil habitantes ( de acordo com o Censo 2000) e possui um dos piores IDH's de todo o estado. Possui um histórico de violência. Na década de 80 o crime começou a ganhar força no local tornando-se um verdadeiro quartel-general do Comando Vermelho, uma das maiores facções criminosas da cidade. Foi palco de diversas disputas entre traficantes e de confrontos entre traficantes e a polícia. Inclusive, no ano de 2007, uma mega-operação policial, com cerca de 1300 homens, culminou na trágica chacina onde o número de mortos foi divulgado em dados imprecisos, mas etimativas apontam que cerca de 20 pessoas foram mortas sumariamente pela polícia em um único dia. Atualmente o Complexo possui um projeto do PAC ( Programa de Aceleração do Crescimento) para a criação de uma rede de transportes, com a construção, inclusive, de um teleférico.
     No domingo, dia 28/11, iniciou-se a operação de retomada do Complexo do Alemão, a maior operação policial da história da cidade do Rio de Janeiro, com 1200 policiais militares, 400 policiais civis, 300 policiais federais, 800 homens do exército brasileiro e com apoio logístico da marinha e da Força Aérea, que forneceram tanques e helicópteros blindados e veículos para facilitar a movimentação das tropas. Durante as incursões, que se iniciaram perto das 7h da manhã, houve tiroteio intenso nos primeiros minutos, mas pouco tempo depois  a resistência torna-se fraca e às 9h20 o comandante-geral da polícia militar, Mário Sério Duarte anuncia vitória. Uma grande quantidade de armas e drogas foram apreendidas pela polícia. Foram apreendidas também uma grande quantidade de motos roubadas, que eram usadas pelos traficantes. Houveram 3 mortos e 20 presos, entre eles, o traficante Zeu, um dos assassinos do jornalista Tim Lopes.
     As Forças Armadas irão ocupar o Complexo até a instalação de uma UPP que, segundo o governador Sério Cabral, irá ocorrer no primeiro semestre de 2011. A Vila Cruzeiro também deve receber uma unidade durante o mesmo período, o que pode vir a fortalecer a política de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro. O governador afirma que até 2014 todos os territórios ocupados pelo Poder Paralelo serão retomados.
     No momento muitas pessoas estão otimistas, acreditando que este pode ter sido um divisor de águas não só para a cidade, mas para todo o estado do Rio de Janeiro. Projetos de reurbanização das áreas ocupadas já estão surgindo, visando levar serviços públicos como saneamento, educação e saúde a estes locais, que agonizam diante da falta de infra-estrutura. Mas apenas o tempo dirá o que será feito daqui pra frente, restando aos cidadãos, por ora, a esperança de dias melhores.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Rio de Janeiro e a Música


O Rio de Janeiro não é mais o mesmo de antigamente. A cidade sofre com constantes perdas, sejam econômicas, culturais ou políticas. Estas perdas podem ser observadas quando analisamos o processo histórico do Rio de Janeiro e percebemos como este território, que já foi capital do Brasil hoje é apenas uma cidade capital de seu estado.
Mais precisamente, sobre a música no Rio de Janeiro, pode-se dizer que a cidade viveu quatro épocas diferentes em que houve rompimentos bruscos de um estilo musical para outro. Foram o Samba, a Bossa Nova, o Rock e o Funk, que em períodos distintos, deram o tom musical da cidade maravilhosa, não só da maravilhosa, mas também de Duque de Caxias, Niterói, Nova Iguaçu entre outros municípios do estado, do Brasil e até de outros países, como ocorreu com o Samba e Bossa Nova principalmente.
O Samba, primeiro deles, tinha sua musicalidade apreciada pelos mais diversos grupos sociais como os negros miscigenados com os portugueses, a Igreja e respectivas procissões e também a Umbanda. Mas o principal ingrediente da inventividade do sambista vinha do carioca pobre, o ritmo, a ginga, o rebolado e a sedução nas ruas cariocas, bares de esquina (de preferência bares de um português), mas principalmente, dos morros cariocas. Desde sua época áurea até hoje o Samba contou com vários grandes e importantes nomes da música brasileira como Alcione, Baby do Brasil, Beth Carvalho, Bezerra da Silva, Braguinha, Carmen Miranda, Cartola, Clara Nunes, Gal Costa, Ivone Lara, Martinho da Vila, Noel Rosa, Pixinguinha entre tantos que o Rio de Janeiro foi inspiração. O Samba talvez seja o gênero musical brasileiro de maior talento agregado.
A Bossa Nova surge nos anos 50 e 60 do século XX, e tem a cidade como cenário de inspiração, sendo essa inspiração traduzida pela bela imagem do Rio no estrangeiro até porque a música reproduzia muito as riquezas naturais da cidade, se fala muito de praias, mar, montanha e céu mostrando o Rio como um paraíso em forma de cidade. Mas o estilo musical é de forte influencia norte-americana apesar de, segundo Tarik de Souza, a inovação dentro da Bossa Nova ter forte influencia do Samba. Na Bossa Nova a voz era falada (em contra ponto ao vozeirão), os cantores são também compositores e surge também a forte atuação empresarial, que procuram gravadoras aos que se destacam.
Surge numa época em que a indústria fonográfica ainda não era tão decisiva, ainda engatinhava. Afirmam que a Bossa Nova é produto da Zona Sul, porém há exemplos de pobres que se destacaram e ganharam dinheiro depois como João Gilberto e Sérgio Mendes. O Samba e a Bossa Nova foram estilos que tiveram como meio de projeção o rádio, os jornais nem todos liam e a televisão era muito cara, logo o que valia mesmo era a fama, bom nome e bons serviços, a credencial dos músicos.
O Rock, terceiro dos estilos, é muito mais paulista e brasiliense que propriamente carioca, porém o Rio de Janeiro foi plataforma de projeção principalmente pelo Rock’n Rio em 1985 e o Circo Voador. Concomitantemente, a estrutura empresarial ganha importância, crescia a indústria fonográfica e o Rock se forma como um fenômeno televisivo que não é praticado por pobres porque sua estrutura instrumental era muito cara.
O Funk chega em contra ponto ao hip hop paulista e norte-americano e com alguns ingredientes a mais como o bom humor e o teor erótico, porém ele é muito mal visto principalmente por sua vinculação ao tráfico e, com isso, ao contrário dos estilos anteriores, tem uma grande dificuldade de veiculação.
            Por diversos motivos o Rio vem deixando de ser a cidade da música no país. Os mais marcantes desses, talvez sejam a pouca renovação musical e a perda de talentos como analisa o músico Paulo César Pinheiro, que no programa de TV Por Acaso na TVE em 14/01/2004 relacionou uma lista altamente qualificada de perdas na música carioca como Baden Powell, Rafael Rabello, Maurício Tapajós, João Nogueira e Tom Jobim.
Zélia Duncan, cantora brasiliense de residência no Rio de Janeiro, no mesmo programa só que em 11/05/2003 assinala que a música atual apresenta falta de encanto e estética e que, há talentos sim, mas estes não estão antenados a um movimento musical como Lenine e Chico César e, mesmo assim, são talentos que já estão na faixa dos trinta anos.
A perda da centralidade (principalmente para São Paulo) se revela na confissão de André Midani, executivo da área musical de grande importância na promoção da Bossa Nova e Tropicália, de que tem mais campo de trabalho em São Paulo do que no Rio de Janeiro. E, no programa Conexão Roberto D’Ávila em 07/12/2003 e reprisado em 08/02/2004 na TVE (mesmo ambiente da confissão citada), ele sugere que o processo político interferiu na música uma vez que alguns talentos dos anos 80 estavam muito comprometidos com o processo de reabertura política e, quando este se consolida, fica um vácuo na produção desses talentos.
O último fator (um dos responsáveis pela queda qualitativa da música carioca) se relaciona diretamente a mudanças na indústria fonográfica que tem diversas conseqüências na produção musical. Uma delas é a substituição do diretor artístico pelo diretor de marketing; isso vai fazer com que haja cada vez mais vendagens, mesmo que com pouco talento, escanteando a produção de sucessos. Além disso, há também o surgimento de um monopólio do som reproduzido em rede de lojas, shoppings, acesso a estação de rádio, programas de TV e, principalmente, novelas.
Tudo isso tem início nos anos 80, juntamente com a perda do sentido da melodia e essa se transformando em código; códigos veiculadores de controle e meio de propaganda, ou seja, apresentações com seus atrativos ligados ao técnico de efeitos visuais majoritariamente em detrimento do próprio músico.
Um momento no qual o Rio de Janeiro consegue se recuperar e voltar a ser o centro das atenções do espaço musical, são os dias em que ocorre o carnaval na cidade, onde o desfile das escolas de samba chega a ser transmitido para mais de cem países. Durante esse pequeno espaço de tempo (cerca de cinco dias) a cidade recebe turistas do país e do mundo inteiro, não somente celebridades, mas pessoas comuns, ricos e pobres. O carnaval tem essa característica, enquanto os dias de desfiles no sambódromo da cidade concentram políticos, artistas e outras celebridades brasileiras e mundiais, os blocos de rua conseguem ainda hoje aglomerar um imenso contingente populacional e atrair turistas de diversos lugares.
Vários estudos acerca do carnaval foram realizados por diversos cientistas. Roberto DaMatta, passou a compreender o Brasil através do carnaval, principalmente o carnaval carioca. DaMatta, inclusive, acredita que a educação sentimental do brasileiro passa pelo carnaval, assim como a enorme herança da escravidão, do analfabetismo e o processo de socialização brasileira passa pela musica. O carnaval seria então o meio pelo qual a população brasileira se une, a sua identidade, o que torna o brasil, Brasil.
Durante as festas desse período, os rituais buscam proporcionar um contraste entre o mundo cotidiano e o não cotidiano, o real e o abstrato, e expressa a estrutura social do brasileiro, onde observamos a realidade brasileira de forma dramática, no qual o povo apresenta a sua batalha entre o permanecer e o mudar. Estas expressões são caracterizadas pela informalidade. Tal fato é comprovado quando se compara o carnaval a outras festas do país como o Dia da pátria, controlado pelas forças armadas e Semana Santa, controlada pela igreja. O carnaval é controlado pelo próprio povo, de forma pouco hierarquizada, onde pessoas pobres podem se tornar reis e pessoas ricas desfilam ao lado de pessoas pobres. É a festa do povo, uma festa na qual ricos e pobres se igualam.
No entanto, a musica sofreu uma mudança de ideais. A ascensão do empresário fez com que grandes corporações emergissem no cenário,  superando até o estado nacional por serem empresas que não dispõem de nacionalidade nem pátria, não possuem identidade cultural e visam sempre o lucro financeiro. Com o aumento de importância dessas empresas, a cultura musical começa a se padronizar a níveis nacionais e até mundiais. Com isso, a bossa nova e o samba perdem cada vez mais espaço, já que são estilos musicais que surgiram na relação direta entre as pessoas e a musica, na qual as letras representavam o dia-a-dia, costumes e cultura de uma maneira geral, as musicas possuíam letra, possuíam historia. Ao contrario, no rock e no funk os músicos passam a fazer parte de uma logística de mercado, na qual as letras não surgem mais tão naturalmente, é preciso produzir sempre, novas musicas que abasteçam o publico, sempre os entretendo. O musico cada vez mais deixa de ser amador e passa a ser um profissional da área, cria-se uma espécie de nova indústria cultural onde não se pode mais esperar surgir um talento, não existe mais tempo sobrando para isso, então, torna-se necessário a fabricação do talento.
Essa mudança pode ser enxergada de forma mais direta quando se observa a evolução do carnaval no Brasil, mais precisamente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. O carnaval carioca sempre foi elogiado e reconhecido mundialmente, sempre foi o abrigo dos principais sambistas e das principais escolas, tendo nos desfiles a valorização dos sambas e da festa do povo. Ao contrario, o carnaval paulistano foi inserido de maneira não natural, com muito mais dinheiro investido do que talento, lá as escolas de samba não possuem raízes históricas sendo representadas até por times de futebol como é o caso da Gaviões da Fiel (escola de samba da torcida do Corinthians) e a Mancha Verde (escola de samba da torcida do Palmeiras) e hoje conseguem também audiência tão grande quanto o carnaval da “cidade maravilhosa”. Um dado curioso, é que o presidente da República, escolheu uma escola de samba paulista para representar o samba brasileiro numa viagem do governo federal ao Oriente Médio em 2003, onde o mais indicado e comum em outros tempos, seria a escolha de alguma escola de samba carioca como a Portela ou Mangueira. No ano de 2004 a escola de samba escolhida pelo presidente foi rebaixada no desfile das escolas de São Paulo.
Alguns aspectos importantes a serem ressaltados, são que essas alterações todas ocorreram devido à mudança das relações entre as pessoas durante o passar das décadas e a inclusão do empresário que enxergou na musica uma maneira a mais de ganhar dinheiro. Ser musico hoje significa ser um profissional da musica, ao contrario do que ocorria no passado onde ser musico representava ter o dom de compor ou de cantar ou tocar algum instrumento. A evolução da economia também foi importante, já que a construção de shoppings cada vez em maior quantidade e em maior tamanho acaba por eliminar por concorrência pequenos bares que serviam de ponto de encontro das pessoas, o aumento do crime na cidade também é um fator relevante, já que associado as favelas, criam uma separação entre a população “informal” e “formal”, fazendo com que o acesso aos morros, considerados berços do samba, se tornem cada vez menores e com isso o samba tenha menos audiência e renovação. O surgimento da internet também é importante nesse processo, esta que teoricamente serviria para aproximar as pessoas acaba por separar, já que os encontros entre as pessoas tornam-se menos freqüentes e as conversas passam a acontecer pelo computador, tornando as relações intrapessoais cada vez mais frias e robotizadas.
            Com isso, o Rio de Janeiro acumula mais uma perda dentre outras muitas, já que anteriormente já deixara de ser a capital do país, a capital do futebol, deixou também de ser um estado da federação com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de janeiro, perdas nos setores portuário, cultural e financeiro e por fim a musica. Perdas essas que foram influenciadas também pela mídia, já que problemas relacionados a cidade eram sempre lembrados por telejornais e outros veículos de informação, sucessivamente com mais atenção do que em outros estados, de certa forma rebaixando a cidade sempre que possível. Isto fez com que o Rio de Janeiro deixasse de receber investimentos maiores de empresários além de perder muito no setor de turismo por exemplo. A cidade sobrevive graças ao seu passado, o turismo é um bom exemplo disso, onde os visitantes chegam aqui a procura das belezas naturais, do povo acolhedor, do carnaval e da bossa nova, procuram o “estilo de vida carioca”, e quando chegam aqui encontram uma realidade completamente diferente, uma cidade que sofre forte influencia do tráfico de drogas e armas, que exerce uma espécie de poder paralelo, sendo em muitos locais da cidade mais poderoso que os próprios governantes do Estado.
            Pode-se então perceber que a perda da centralidade musical na cidade se deu em muito a processos de perdas ocorridos na região, que tornaram cada vez mais difícil a renovação de talentos musicais, combinada com a presença da indústria musical cada vez mais. Essa indústria que visa sempre o lucro cria os novos talentos, cria os novos ídolos, não se preocupa se a pessoa sabe cantar ou não, basta ter um rosto bonito que os efeitos visuais e efeitos sonoros se encarregam de garantir o entretenimento do publico. As musicas não possuem mais uma mensagem, um recado a transmitir e também não nos fazem recordar de momentos de nossas vidas, como sentimentos nostálgicos e sim nos causam uma sensação de hipnose, com batucadas, ou frases repetitivas que deixem o ouvinte congelado naquele momento.
            A cultura foi transformada em entretenimento, e com a música não foi diferente. A música serve hoje como um meio e não mais como um fim, em uma academia, por exemplo, as pessoas escutam musicas não para apreciá-las, mas para se sentirem “ligados” e conseguirem fazer suas atividades em um ambiente mais agradável de acordo com a situação. A música não mais enaltece o passado, nossos heróis, ela enaltece o EU, e nisso observamos como que o Rock e o Funk representam bem esse período dominado pelos empresários. Ao compararmos as letras de hoje com as de Samba ou Bossa Nova temos ah, eu tô maluco ah, eu tô maluco com as rosas exalam o perfume que roubou de ti...é possível perceber claramente a mudança de estilos entre os períodos. Os estilos mudaram, hoje o Funk representa o principal estilo de música carioca, o que está na moda, uma música caracterizada pela descontração, voltada para os jovens. O maior problema estaria no fato deste estilo ser comumente ligado a criminalidade na cidade, por ter suas origens nas favelas e nas populações de baixa renda. Analisando a evolução dos estilos, percebe-se que o principal problema está na ambiência carioca, o crime, a evolução tecnológica e o avanço da economia de certa maneira acabaram com os encontros e reuniões entre as pessoas, que passam a ocorrer por telefone ou internet por exemplo. O talento não é mais cultivado, não se valoriza mais uma pessoa talentosa, valoriza-se o que a indústria musical nos empurra de todas as formas.